terça-feira, 27 de outubro de 2009

Auschwitz -uma subida ao inferno - dezembro de 2005


Finalmente, o último!

Escrever esse texto foi o mais difícil. Reviver lembranças, sons e cheiros que meu consciente procura esquecer quase que diariamente, me causou um pouco de tristeza, revolta e agonia.

Nunca havia pensado em visitar dois campos de concentração, mas às vezes a vida dá umas voltas que acaba nos surpreendendo e ultimamente meu interesse pelo judaísmo e pelo holocausto avultou-se de tal maneira que tornou-se necessária uma ida a Auschwitz e um retorno à II GM.

Haddad, o autor do livro "O dia em que Lacan me adotou" fala que sem que nos demos conta, o nosso inconsciente acaba direcionando a nossa vida. E foi assim que fui parar em Auschwitz, inicialmente tendo meu interesse pelo judaísmo e pelo holocausto despertado pelo próprio livro de Haddad, a seguir pela idéia de fazer o meu trabalho de Direito Penal da Comunicação julgando a propaganda nazista (idéia vetada pelo meu querido prof.), tudo isso conjugado ao fascínio exercido pela visita à Sinagoga del Transito, em Toledo, em agosto, à Casa da Anne Frank, ao Memorial Judaico em Amsterdam...fez com que tomasse corpo em minha mente uma curiosidade sem tamanho acerca do tema.

Um dia na cantina, um amigo me disse que eu era pirada pelo holocausto e pelo judaísmo. Me espantei com a afirmação no momento, mas era verdade, quando dei por mim, estava completamente absorvida pela leitura de 4/5 livros sobre o holocausto e seguindo a trilha de todos os monumentos que evocassem o assunto. Decididamente era preciso ir a Auschwitz.

E não me engano ao começar o texto escrevendo uma subida e não uma descida ao inferno, porque se é verdade que para baixo todo santo ajuda, o contrário não é válido e visitar Auschwitz é muito, muito, muito difícil.

Desta maneira, embora houvesse me preparado mutio psicologicamente para fazer tal visita e já tivesse saído de Portugal com esse dia no roteiro, o tempo todo a minha razão vacilou e minha emoção deu sinais de que não sabia se queria mesmo ir para Auschwitz.

Inicialmente quase mudando o roteiro e ficando os 4 dias da viagem em Praga, depois pensando em desencanar de ir para Auschwitz e curtir Cracóvia por mais um dia, posteriormente, no dia da visita, inventando uma dor no corpo, motivo para dormir mais um pouco e não ter tempo para visitar o museu (como chamam o lugar atualmente) e por fim, chegando ao museu, enrolando mais de uma hora entre café da manhã, ida ao banheiro, vista de livros, mais um chocolate quente...Mas não adiantava, depois de 2 horas de viagem de Cracóvia até ali, leitura de livros sobre o tema e o "treinamento" psicológico de quase um mês, era preciso ter coragem e encarar de uma vez por todas o inferno, historicamente chamado de Auschwitz.

Logo na entrada a paisagem é chocante. Muitas cercas de arame farpado, uma enorme guarita e uma placa dizendo que "só o trabalho liberta".

Em Auschwitz, os antigos blocos, cada um com uma destinação, atualmente abrigam uma exposição relatando o cotidiano dos campos de concentração. As cenas são tão fortes que inúmeras vezes entrava nas salas e tinha um impacto tão violento que voltava de costas mesmo, respirava fundo, me preparava por alguns instantes para o que veria a seguir e só assim encarava as imagens novamente.

O estranho é que antes de ir para lá me imaginei tendo um choro desesperado e compulsivo, mas não, o que tive, e foi o tempo todo, foi um choro contido, choro de quem se entristece com a mediocridade humana, mas de quem sabe que infelizmente o seu choro não tem o poder de ressucitar nenhuma vítima (sábio conselho, Piveta!).

Outras vezes, me vi sem reação nenhuma. A brutalidade, violência e crueldade daqueles que fizeram o holocausto é tanta que chega a ser difícil acreditar que eram pessoas, seres humanos, gente com coração e sangue nas veias. Nesses momentos a reação é uma grande e providencial anestesia, vc apenas fica parada vendo, sem raciocínio algum, um enorme estado de choque, um "coma" que te protege de mais dor e sofrimento.

Outras vezes ainda, o sentimento que te toma é o de revolta. A minha vontade, ao ver a maquete de uma câmara de gás e ler que os alemães falavam para aqueles que em breve perderiam as suas vidas lá dentro que eles apenas tomariam um banho, foi a de destruir a vitrine onde a maquete se encontrava exposta, como que se destruindo a maquete eu pudesse destruir o que foi o holocausto, mas não tem jeito, já faz parte da nossa história, triste e medíocre página da história humana.

E quanto mais ando e vejo a exposição, mais aumenta a minha revolta e vontade de exterminar a raça humana, penso que Deus aquele que fez o homem à sua imagem e semelhança, se não se arrependeu da sua criação durante o holocausto, ao menos deve ter ficado muito, muito triste e decepcionado com a atitude de seus filhos.

Fico cada vez mais triste, chocada e revoltada, penso que à altura do holocausto, a melhor solução teria sido a destruição do mundo e o extermínio da humanidade. Entretanto, assustada com o meu pensamento, recuo um pouco na minha agressividade e violência, ao notar a semelhança e analogia do meu raciocínio com o raciocínio nazista, afinal na minha cabeça também estava matando um monte de inocentes. É preciso ter ponderação, apesar da permissividade da Igreja Católica e de grande parte da sociedade européia uqe colaborou com os nazistas, nem todos somos culpados pelo holocausto.

Enfim, tentando encerrar logo o texto, porque já escrevi demais acerca de um assunto que por hora desejo deixar em "stand-by", as atrocidades cometidas pelos nazistas chocam qualquer pessoa e fazem com que eu deseje ser portadora de uma "amnésia seletiva".

Os experimentos do Dr. Mengel; o transporte de pessoas que durava de 7 a 10 dias em vagões de carga sem qualquer alimento, ventilação; os trabalhos forçados; a injeção de veneno no coração das mulheres grávidas; a acomodação em estábulos; a dieta que definhava as pessoas; os cabelos raspados; a perda da identidade; as poucas ou nenhuma roupa em pleno inverno; os números tatuados nos braços; os castigos; os corredores de fuzilamentos; as caminhadas sem volta; as "caminhonetas"assassinas; as valas comuns para incineração de cadáveres; a morte pela fome, pelo frio, pela fadiga, pelas câmaras de gás...tudo ainda está presente em Auschwitz e Birkenau, lugares em que o nunca era dito pela expressão "até amanhã".

O ar é pesado e o cheiro é de morte. Achei que estivesse pronta para encarar Auschwitz e Birkenau, mas me enganei, ninguém está pronto para encarar o inferno.

Adorno disse que "escrever poesia depois de Auschwitz seria um barbarismo", aproprio-me do barbarismo e digo que ter orgulho de ser humano depois de Auschwitz é um barbarismo. Me enoja saber que sou da mesma espécie daqueles que fizeram o holocausto.

Mas enfim, é preciso acalmar as idéias, respirar fundo, organizar as emoções e pensamentos e tentar tirar alguma lição de todo esse sofrimento e seguir vivendo.

E embora seja o cheiro de morte o que mais me tenha impressionado em Auschwitz e Birkenau, ao encerrar este texto uma imagem não sai da minha cabeça. É a imagem de uma vela colocada sobre os trilhos de Birkenau, vela que apesar de toda a chuva e neve mantém-se inexplicavelmente acesa, talvez aquela chama seja uma forma de chamar a atenção para que não nos esqueçamos do que foi o Holocausto, talvez simbolize o milagre da vida que "teimosamente se fabrica" onde houve tanta morte, talvez a esperança de que o homem não repita os erros do passado, talvez a luz depois das trevas do holocausto, talvez tudo isso junto ou talvez nada disso. Não sei...enfim, Auschwitz mexe muito com a cabeça e o coração das pessoas.

Obrigada por me aguentarem,

beijos e até o ano que vem, não tenho coragem de desejar feliz natal e próspero ano novo após escrever sobre Auschwitz,

Pri Carmona

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